Dalmo Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP, reconhecido no Brasil como um defensor dos direitos dos povos indígenas. Integra o Conselho Consultivo da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Risco: mera aparência de consulta
O governo brasileiro decidiu regulamentar os procedimentos para consulta prévia prevista na Convenção 169 da OIT. Na sua opinião quais são os riscos dessa iniciativa?
A iniciativa de regulamentar a consulta prévia em princípio é louvável, pois deverá ser mais um passo para dar efetividade à determinação da Convenção 169. Quanto aos riscos dessa iniciativa, eles, em princípio, não deverão existir, mas tendo em vista a forte influência do agronegócio em vários setores do governo federal, já tendo sido anunciadas iniciativas ministeriais direcionadas a restringir os direitos constitucionais das comunidades indígenas para beneficiar o agronegócio, há o risco de concretização desses abusos.
Numa síntese, pode-se dizer que o grande risco será a fixação de regras que criem a mera aparência de consulta prévia, perguntando sem esclarecer o verdadeiro alcance das medidas que se quer adotar ou sem dar meios e tempo para a obtenção de esclarecimentos prévios, ou ainda restringindo muito o universo dos consultados.
Por tudo isso, é necessário estarmos muito atentos, pedindo a publicação do projeto de regulamentação antes que ele seja imposto como fato consumado e estando preparados para reagir, inclusive por via judicial, se o regulamento for uma farsa de consulta prévia.
E quais são as oportunidades?
Se a regulamentação for estabelecida de maneira correta e objetiva será uma oportunidade de se dar efetividade a esse importante instrumento de garantia dos direitos indígenas, que é a consulta prévia para avaliação dos reais efeitos das medidas que se pretende adotar ou do projeto que se tem a intenção de executar. Em tal sentido o anúncio da intenção de regulamentar a consulta prévia é uma boa oportunidade para levar esclarecimentos às comunidades indígenas e aos seus defensores, para que não ocorram outras situações em que um grave prejuízo aos direitos dos índios só foi percebido e sentido depois de concretizado o malefício.
Foto: Carlos Penteado